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Inviolabilidade do domicílio: da necessidade da gravação da autorização do morador e demais teses do


Apesar das inúmeras jurisprudências acerca do tema, foi necessário que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça estabelecesse limites acerca da inviolabilidade do domicílio. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus requerendo a anulação da prova e absolvição do indivíduo condenado pelo crime de tráfico de drogas. A ordem foi concedida e estabeleceu precedentes acerca da inviolabilidade do domicílio. É necessário analisar a decisão e as condições determinadas para evitar a prática dos delitos de invasão de domicílio e/ou abuso de autoridade.




A inviolabilidade domiciliar é um direito fundamental consagrado pela Constituição Federal, todavia não é um direito absoluto.


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.


Diante da realidade – (i)legalidade das provas, abuso de autoridade – os Tribunais precisaram limitar as exceções acerca da inviolabilidade do domicílio.


No caso em apreço, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus postulando a anulação da prova e, consequentemente, a absolvição do indivíduo condenado pela prática de tráfico de drogas. Os policiais militares informaram que o paciente havia permitido a entrada na residência, porém o morador afirmou que os agentes forçaram a entrada.


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem do remédio constitucional e estabeleceu os seguintes precedentes:


a. Na hipótese de suspeita de flagrância delitiva, em termos de standard[1] probatório para ingresso na residência sem autorização judicial, é exigido a existência de justa causa (fundada razão, causa provável), aferida de forma objetiva e justificada, de modo a indicar que dentro do domicílio ocorre a situação de flagrante de delito.


b. Apenas a suspeita da prática do crime de tráfico de drogas (classificado como crime permanente) não autoriza os agentes estatais ingressarem na residência sem mandado. O ingresso só será permitido em casos de urgências, quando houver a conclusão (objetiva e concreta) que ocorrerá a destruição da prova em razão do intervalo de tempo para obtenção do mandado judicial.


c. O consentimento do morador, para validar o ingresso na residência sem autorização judicial, deve ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.


d. Incumbe ao Estado, em caso de dúvida, provar a legalidade e voluntariedade do consentimento do morador para o ingresso na residência. A operação deve ser registrada em áudio-vídeo, bem como o suspeito deve assinar uma declaração autorizando o ingresso domiciliar indicando, quando possível, testemunhas.

Além dos importantes precedentes, a decisão demonstrou preocupação em assegurar o determinado na Constituição Federal e evitar a prática do delito de invasão de domicilio ou/e abuso de autoridade.


Apesar disso, é preciso continuar tratando o tema com atenção.


Com a finalidade de evitar tautologia, colaciono trecho da decisão:


Na mesma direção se posicionaram outros julgadores, como o Ministro Lewandowski, ao assinalar a “necessidade de se colocar alguma limitação para o ingresso na residência ou alguma responsabilização para os agentes estatais”, porquanto “sabemos como as coisas acontecem na vida real”, ou seja, "a Polícia invade, arrebenta, sobretudo, com casas mais humildes, e depois dá uma justificação qualquer, a posteriori, de forma oral, na delegacia de polícia.” (pág. 30)


O direito à inviolabilidade do domicilio protege todas as pessoas, em especial as que estão em situação de vulnerabilidade social, sendo necessário o consentimento do morador para que os agentes estatais ingressem sem mandado na residência.


Esse consentimento deverá ser dado por pessoa capaz, que compreenda perfeitamente o objeto do requerimento policial, de forma expressa, ainda que oralmente[2].

Conforme arguido na decisão, diversas vezes a policia invade casas humildes, o que gera insegurança acerca da validade do consentimento do morador.

Não há como garantir que o indivíduo – muitos com baixa escolaridade – possuirá ciência do que está assinando ou das consequências jurídicas do ingresso dos policiais na residência.

Ademais, diversos são os flagrantes em que o suspeito não é assistido por advogado, uma vez que não tem condições econômicas para efetuar a contratação de um advogado particular, o que resultará na falta de orientação sobre eventual invasão de domicílio.

Dessa forma, ainda há grandes possibilidades de acontecer os delitos de invasão de domicílio e/ou abuso de autoridade, portanto merece uma análise mais criteriosa por parte dos julgadores.

Necessário, ainda, destacar que o Ministério Público e a Autoridade Policial podem requerer diligências durante as investigações (exemplo: expedição de mandado de busca e apreensão, interceptação telefônica, etc).

É evidente a importância dos precedentes e os excepcionais argumentos expostos na decisão, porém não podemos deixar de analisar os casos concretos, refletir sobre a realidade e lutar diante de eventual ilegalidade.

[1] standards de prova são critérios que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o julgador considere um enunciado fático como provado” (BADARÓ, Gustavo H. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: RT, 2019, p. 236) [2] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 572.

 
 
 

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ESCRITÓRIO CAMILA MÂNICA TRANSPARÊNCIA E COMPROMETIMENTO

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