Atualizações sobre a Lei Maria da Penha (11.340/2006)
- camilamanica
- 24 de fev. de 2022
- 6 min de leitura
A proposta do presente artigo é demonstrar de maneira objetiva os principais pontos que inovaram a Lei Maria da Penha, também visa explicar as controvérsias jurídicas em conjunto com as decisões dos Tribunais Superiores que pacificaram entendimentos que trazem mudanças na forma executória da Lei Maria da Penha.

Inicialmente é notório analisar o estudo estatístico de 2019, realizado pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), no qual constatou que 29,1 milhões de pessoas de 18 anos ou mais sofreram violência psicológica, física ou sexual no Brasil, sendo mais repugnante que cerca de 52,4% dos casos foram cometidos contra mulher pelo seu ex- companheiro, namorado, ex-namorado ou parentes.[1]
Segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça, foram quase 400 mil medidas protetivas que tiveram de ser aplicadas no ano de 2018, tendo como processos relacionado à lei Maria da Penha mais de 1 milhão de processos que correm na justiça no ano de 2018.[2]
Visto a importância da Lei Maria da Penha, vejamos as principais inovações que ocorreram pela Lei 13.827/2019 que teve como foco os casos em que a mulher corre risco de morte pelos qual a medida deve ser realizada com urgência. Como resultado da imediata urgência, o Delegado de Polícia passou a ter competência para conceder a medida protetiva de urgência, na hipótese do Município não for sede de comarca. Nos casos extremos, de não haver Delegado de Polícia e o Município não for a sede da comarca, está autorizado o policial a conceder tal medida, conforme o artigo 12-C dispõe:[3]
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: (Redação dada pela Lei nº 14.188, de 2021)
I - pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso
Uma outra novação foi com a Lei 13.984/2020, que estabeleceu o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Atualmente, com o advento do Pacote Anticrime (Lei 13.964/19) que alterou o artigo 311 do Código de Processo Penal, que impossibilitou a decretação de prisão preventiva de ofício pelo juiz, vide artigo:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Nesse sentido, o artigo 20 da Lei Maria da Penha dispõe que poderá o juiz de ofício decretar a prisão preventiva, vejamos:
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Com base nesta controvérsia jurídica, Noberto Avena traz uma explicação no que concerne o artigo 311 do CPP e o artigo 20 da lei Maria da penha:
“Há discussões aqui. Isto porque, para esta hipótese, refere o art. 20 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”. Como se vê, aqui, possibilita a lei a determinação da prisão cautelar ex officio pelo Juiz também no curso da fase investigativa. Neste cenário, surgem duas correntes, uma, no sentido de que o referido art. 20 (que remonta o ano de 2006) foi tacitamente revogada pelos arts. 282, p 2 e 311, do CPP (redações dadas pela Lei 12.403, editada em 2011 e reafirmada, agora, pela Lei 13.964/2019); e, outra posição, compreendendo que, em se tratando de norma especial e considerando as peculiaridades e o intuito altamente protetivo que se extrai da Lei 11.340/2006, persiste, em prol da mulher ofendida, a legitimidade ex officio do juiz para decretar a prisão preventiva na fase de investigações policias, não sendo revogada esta faculdade pela nova redação do art. 282, p 2, e do art. 311, ambos do CPP. Prevalece, não equivocadamente, a primeira das orientações citada, qual seja, a da prevalência do regramento incorporado ao Código de Processo Penal em seus arts. 282, p 2 e 311.”[4]
No que se refere a esta controvérsia, os Tribunais Superiores adotaram o posicionamento de que o magistrado não poderá agir de ofício pela decretação da prisão preventiva, todavia poderá ser provocado pelo Ministério Público ou mediante representação do Delegado de Polícia.[5]
Em outras bandas, a Lei 14.132/21 criou o artigo 174-A do Código Penal, o chamado “Stalking” pelo qual criminaliza a conduta de perseguição, assim menciona:[6]
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I - contra criança, adolescente ou idoso;
II - contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III - mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação.
Para completar, o §2º- A do Código Penal, menciona que é considerado razões de condição do sexo feminino quando o crime envolve; I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Ademais, com a recente lei 14.188/2021, trouxe uma grande mudança legislativa, a criação do tipo penal de violência psicológica contra mulher, agora o Código Penal conta com mais uma tipificação, vejamos o artigo 147-B:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Nesse sentido, os Tribunais Superiores posicionaram-se a respeito do nexo causal entre a conduta motivadora e os critérios para que a competência seja dos Juizados Especiais de Violência Doméstica, assim dispôs:
"A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça orienta-se no sentido de que para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. Precedentes" (AgRg no AREsp 1020280/DF, relator ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 31/8/2018).
Finalizando, é possível verificar um aparato de mudança legislativas quanto a proteção da mulher brasileira, agora cabe, as medidas executórias realizar a efetividade da lei.
[1] IBGE (2021), NERY, Carmen. Violência atingiu 29,1 milhões de pessoas em 2019; mulheres, jovens e negros são as principais vítimas. Estatísticas Sociais, Brasília, maio/2021. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/30658-violencia-atingiu-29-1-milhoes-de-pessoas-em-2019-mulheres-jovens-e-negros-sao-as-principais-vitimas>. Acesso em: 23 out.2021. [2] MIGALHAS (2020). Justiça tem mais de 1 milhão de processos ligados à lei Maria da Penha. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/321272/justica-tem-mais-de-1-milhao-de-processos-ligados-a-lei-maria-da-penha>. Acesso em: 23 out.2021. [3] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Casa Civil.LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 21 de out. de 2021. [4] AVENA, Noberto. Processo penal. 12a. ed. - São Paulo: Método, p. 1.756. 2020. [5] STJ. 5ª Turma. HC 590039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020. STF. 2ª Turma. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 06/10/2020. [6]PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Casa Civil.DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 21 de out. de 2021.
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